segunda-feira, 3 de junho de 2013

Corpo Estranho



“Estranho vem do Latim extraneus, ‘o que é de fora, desconhecido, não-familiar’, de extra, ‘fora’. Para o narcisismo humano, tudo o que não é do conhecimento da gente é esquisito, chama a atenção, é visto com certa ressalva.”
Acessado em 9/04/2013


No artigo denominado “O Estranho” (Unheimlich) de 1919, Freud explora a ambivalência do termo na língua alemã. Segundo ele, “entre os seus diferentes matizes de significados a palavra ‘heimlich’ exibe um que é idêntico ao seu oposto ‘unheimlich’,traz assim, uma ambigüidade ao termo, associando o estranho ao familiar.
O Grupo de pesquisa Corpo Estranho foi criado por dois fatores distintos. O primeiro foi o desejo de alguns alunos-parceiros de compartilhar questões, que já me acompanham há algum tempo, referentes às deformações e fragmentações da forma corporal nos processos de criação em Dança; a segunda, foi a minha inserção no curso de Mestrado em Artes Visuais (Escola de Belas Artes/Universidade Federal do Rio de Janeiro).No decorrer da História da Dança, percebe-se uma grande recorrência de padrões estéticos que valorizavam, principalmente, o belo e o harmônico. Neste estudo, em contrapartida, busca-se um caminho onde o feio, o assimétrico, o desproporcional são creditados como possibilidades que desvelam uma singularidade abjeta através de um olhar dissecado pela imaginação criadora.
O Grupo vem trabalhando, desde 2012, nas dependências da Escola de Educação Física e Desportos, nos espaços destinados às atividades práticas dos Cursos de Graduação em Dança da UFRJ.
Objetiva-se a criação de um espaço interdisciplinar, que possa agregar diferentes meios de expressão, integrando alunos e demais pesquisadores de variadas instâncias artísticas em um fazer comum, talvez "incomum”.


Por se tratar de uma pesquisa teórico-prática, o projeto busca conjugar o fazer artístico com a fundamentação teórica através de ações distintas:
Aulas de técnica de dança, laboratórios de criação gestual e audiovisual, leituras referentes ao tema proposto, pesquisa iconográfica (visualização de imagens, documentários, exposições, espetáculos), entre outras.
Os laboratórios de criação gestual consistem em experimentações corporais a partir de estímulos pré-determinados que objetivam a investigação/descoberta de gestos e estados corpóreos que dialoguem com o universo imagético e conceitual que o tema propõe.
Uma estratégia muito utilizada e aprofundada foi o jogo de velar e desvelar das partes do corpo realizado individualmente, em duplas e por último em trio. Neste jogo a principal regra seria esconder e revelar determinadas partes do corpo estipulando um ângulo fixo para visualização do mesmo.





Dentre os princípios utilizados por Hans Bellmer, na composição de suas bonecas, seja em esculturas ou gravuras, destaco aqui os “anagramas do corpo”

“Um anagrama (do grego ana = "voltar" ou "repetir" + graphein = "escrever") é uma espécie de jogo de palavras, resultando do rearranjo das letras de uma palavra ou frase para produzir outras palavras, utilizando todas as letras originais exatamente uma vez. Um exemplo conhecido é o nome da personagem Iracema, claro anagrama de América, no romance de José de Alencar.”
Acessado em 04/06/2013.

Os anagramas do corpo propostos por Bellmer determinam possibilidades de combinação entre as partes do corpo que diferem da representação do corpo humano como usualmente o conhecemos.
Assim, com o intuito de afastar a imagem da estrutura íntegra do corpo humano, foi sendo composto um “outro” corpo, a partir dos pedaços de três corpos se entrelaçando e imbricando suas partes, trazendo à tona, possibilidades de uma anatomia fantástica.

Nesta experiência, com o grupo, a escolha de um ponto de vista pré-determinado foi crucial para a visualização dessas metamorfoses de dois ou mais corpos em um. A visualização de outro plano acarretaria em um desvelamento dos artifícios que formam esse corpo ilusório.



“O corpo estranho se presta a todas as fantasias que suscitam a atração ou a repulsão. Ele pode ser idealizado como a expressão de uma beleza inacessível e/ou rejeitado como o símbolo que objetiva os sinais da repulsa. Provocando de uma maneira imaginária a possível vertigem da mais radical alteridade, ele cristaliza as frustrações e, simultaneamente, possibilita a aventura misteriosa dos sentidos”. (JEUDY, 2002, p.102)

Corpo Estranho - Grupo de pesquisa e composição coreográfica
Coordenação: Aline Teixeira
Intérpretes-criadores: Diego Carvalho, Mery Horta e Taísa Magno
Designer: Juliana Prado


Referências Bibliográficas
JEUDY, Henry-Pierre. O corpo como objeto de arte. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.

Para o texto "O Estranho" de Freud;