Desde que me formei no curso de bacharelado em dança da UFRJ, venho pesquisando sobre o que seria a deformação da forma corporal e assuntos afins. A fragmentação da figura humana, que também considero inserida dentro dessa pesquisa sobre deformação, tem estimulado bastante os meus últimos trabalhos coreográficos. Este último, até o momento intitulado “Pedaços” é fruto de algumas reflexões realizadas por alguns artistas plásticos, escritores e pensadores do modernismo, em especial, Georges Bataille e Hans Bellmer. Nomes geralmente associados ao movimento surrealista, apesar de ambos serem dotados de especificidades únicas para serem confinadas em um movimento da arte moderna. A pesquisa, assim, transita por um imaginário fantástico e se apóia em questões como a fragmentação corporal, a deformação, a mutilação e a dissociação das partes do corpo.
Entrei em contato com o pensamento de Georges Bataille e com a obra de Hans Bellmer a partir do livro “O corpo Impossível” de Eliane Robert Moraes. No livro, Eliane faz um estudo aprofundado do processo de decomposição da figura humana pelos modernistas com atenção especial ao pensamento de Bataille. Apesar de intensa identificação com o tema, ainda não sabia qual seria o fio condutor da pesquisa e só o encontrei quando após uma série de leituras fui para a ‘prática’. Até então, não conseguia definir o que estava pesquisando, mas conseguia por o projeto em prática. A partir daí as coisas foram ficando mais claras e um possível tema foi sendo recortado.
É importante atentar para “o instante sensível e espontâneo em que uma possível obra é indiciada. Pode ser tudo, mas ainda não é nada, só uma possibilidade. (...) A percepção artística acontece nesse instante de transformação singular que aponta para uma possível futura obra” (Salles, 2001, p.97)
O processo foi de intensa experimentação. Eu experimentava, filmava, observava e refletia. Depois de alguns meses nessa atividade quis começar a fechar algumas idéias e seqüências. Eu sempre fui muito ligada à forma do movimento corporal e o natural para mim seria construir o trabalho a partir de seqüências de movimentos militarmente precisas ainda que deformadas. Mas não era possível. O fluxo de movimentos não se permitia confinar em formas exatas e a crise se instaurou.
Continuei experimentando até que algumas idéias foram ficando recorrentes e o trabalho foi se moldando a partir de um roteiro de dinâmicas corporais, onde algumas formas foram responsáveis pela costura do todo a fim de não torná-lo apenas um improviso. Ao invés de seqüências coreográficas, uma trajetória linear reta dividida por variações de dinâmica corporal, pontuada por formas geometricamente definidas/deformadas que buscam estados corpóreos provenientes de variações na intensidade da força aplicada ao movimento. Pedaços de corpo que se escondem e reaparecem transitando entre a falta e o excesso. Continua...
MORAES, Eliane Robert. O Corpo Impossível: A decomposição da figura humana de Lautréamont à Bataille, São Paulo: Iluminuras/FAPESP. 2002
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