"O que nos é familiar pode parecer subitamente estranho. Nosso próprio
corpo não pára de nos surpreender. Para mim, a experiência da alteridade começa
em nós mesmos porque ela também é a descoberta de uma estranheza radical.
Meu corpo é habitado por outros corpos, ele é heterônimo. Sua aparente unidade
se divide, pois sou sempre suscetível de me ver de uma maneira que não sou. E o
olhar dos outros me incita a ver-me de modo diferente. Esse fenômeno de
cissiparidade pode provocar distúrbios psíquicos, mas persiste como uma riqueza
misteriosa do corpo.
A monstruosidade, a abjeção que os artistas e os escritores põem em cena nos
revelam o quanto nosso corpo é capaz de exprimir o pior, segundo uma aparência
puramente estética. Eles não mostram somente o outro de nós mesmos que não
queremos ver mas sobretudo a aventura psíquica e orgânica do "corpo
desmembrado". Tirando sua força de expressão do que é disforme, a arte dá
forma à estranheza, mesmo a mais monstruosa, do corpo." Entrevista Henry-Pierre Jeudy