segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Corpo Estranho no LAB-UNI!

Apresentação da pesquisa: A construção de um corpo aos pedaços no Festival Panorama 2013 - LAB UNI - Laboratório Universitário

http://panoramafestival.com/2013/portfolio-items/laboratorio-universidades-provocando-a-investigacao-artistica/


A proposta para o Lab – Uni, foi no formato de apresentação de pesquisa seguido de um diálogo aberto com o público no sentido de compartilhar questões que vem alimentando este processo. Consistiu em mostrar trechos coreográficos e discorrer um pouco sobre as questões conceituais do projeto.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Apresentação na Mostra Mais 2013!






Entre os dias 8 e 19 de julho realizou-se a Mostra Mais 2013. Evento realizado pela Escola de Comunicação da UFRJ e pelo Curso de Direção Teatral da mesma. A Mostra, composta de encenações  e seminário de pesquisas da direção teatral, dedicou um dia para performances dos cursos e projetos de dança da UFRJ. Tratou-se da primeira apresentação do Projeto Corpo Estranho com o trecho coreográfico intitulado "Esculturas Dinâmicas". 
O processo de construção deste trecho foi, inicialmente, através de um jogo proposto ao grupo de esconder e revelar as partes do corpo onde os mesmos tinham que estar em contato num entrelaçamento contínuo. Neste jogo, um corpo propunha uma forma e os outros se uniam à ele prontamente com o intuito de preencher possíveis espaços vazios gerados pelo primeiro corpo. Vazios, túneis, espaços de encaixe e complementação, geravam um outro corpo, único, escultural, anatomicamente fantástico, revelado pela união de três corpos. O diálogo com as imagens projetadas começou com a captura de imagens de partes do corpo de maneira isolada: mãos, pés, olhos, entre outras. Elegeu-se primeiramente as mãos, por sua força expressiva, sua presença nas ações mais simples do ser humano como levar o alimento à boca, enxugar o suor da testa, segurar as mãos do outro, etc., mas também por sua habilidade em realizar movimentos de alta complexidade e coordenação motora fina. As imagens geradas primeiramente por movimentos improvisados foram editadas pela designer Juliana Prado: cortadas, multiplicadas e posteriormente projetadas, em uma superfície plana (parede) e também nos corpos dos intérpretes-colaboradores sobrepostos a ela: Diego Carvalho, Mery Horta e Taísa Magno. 




No trecho apresentado, os três corpos compõem uma espécie de escultura dinâmica, misturando suas partes em uma estrutura única que se mantém estática por alguns momentos, mantendo apenas o fluxo de movimentos das mãos que dialogam com a imagem das mãos projetadas. Esse corpo escultórico desloca-se lentamente por um espaço reduzido compondo outras configurações formais, rearranjando seus pedaços em um caminho semelhante aos anagramas do corpo de Hans Bellmer que intercambiavam as partes de suas bonecas. As imagens das mãos tateiam, deslizam, exploram esse território corpóreo revolvendo-o e misturando-se a ele em um diálogo imaginário entre mãos reais e virtuais. 
Conta-se ainda com a imagem sombra do corpo escultórico. “A imagem fugaz da sombra, a deformar implacavelmente a silhueta humana...” (Moraes, 2002, p.97) As sombras, mas principalmente a desconfiança sobre sua natureza, habitou o imaginário artístico entre o final do século XIX e meados do século XX. Em suas formas instáveis e efêmeras, as silhuetas de corpos e objetos exploravam um universo sombrio, misterioso causando desconfiança sobre um improvável desgarrar autônomo da sombra com relação a sua fonte originária. Nesta experiência, a sombra surge como uma silhueta descarnada, em diálogo com o corpo físico e suas imagens projetadas, promovendo diferentes camadas de visualização a partir de uma mesma origem, o corpo.

Referência Bibliográfica

MORAES, Eliane Robert. O corpo impossível: a decomposição da figura humana de Lautréamont à Bataille, São Paulo: Iluminuras/FAPESP. 2002

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Corpo Estranho



“Estranho vem do Latim extraneus, ‘o que é de fora, desconhecido, não-familiar’, de extra, ‘fora’. Para o narcisismo humano, tudo o que não é do conhecimento da gente é esquisito, chama a atenção, é visto com certa ressalva.”
Acessado em 9/04/2013


No artigo denominado “O Estranho” (Unheimlich) de 1919, Freud explora a ambivalência do termo na língua alemã. Segundo ele, “entre os seus diferentes matizes de significados a palavra ‘heimlich’ exibe um que é idêntico ao seu oposto ‘unheimlich’,traz assim, uma ambigüidade ao termo, associando o estranho ao familiar.
O Grupo de pesquisa Corpo Estranho foi criado por dois fatores distintos. O primeiro foi o desejo de alguns alunos-parceiros de compartilhar questões, que já me acompanham há algum tempo, referentes às deformações e fragmentações da forma corporal nos processos de criação em Dança; a segunda, foi a minha inserção no curso de Mestrado em Artes Visuais (Escola de Belas Artes/Universidade Federal do Rio de Janeiro).No decorrer da História da Dança, percebe-se uma grande recorrência de padrões estéticos que valorizavam, principalmente, o belo e o harmônico. Neste estudo, em contrapartida, busca-se um caminho onde o feio, o assimétrico, o desproporcional são creditados como possibilidades que desvelam uma singularidade abjeta através de um olhar dissecado pela imaginação criadora.
O Grupo vem trabalhando, desde 2012, nas dependências da Escola de Educação Física e Desportos, nos espaços destinados às atividades práticas dos Cursos de Graduação em Dança da UFRJ.
Objetiva-se a criação de um espaço interdisciplinar, que possa agregar diferentes meios de expressão, integrando alunos e demais pesquisadores de variadas instâncias artísticas em um fazer comum, talvez "incomum”.


Por se tratar de uma pesquisa teórico-prática, o projeto busca conjugar o fazer artístico com a fundamentação teórica através de ações distintas:
Aulas de técnica de dança, laboratórios de criação gestual e audiovisual, leituras referentes ao tema proposto, pesquisa iconográfica (visualização de imagens, documentários, exposições, espetáculos), entre outras.
Os laboratórios de criação gestual consistem em experimentações corporais a partir de estímulos pré-determinados que objetivam a investigação/descoberta de gestos e estados corpóreos que dialoguem com o universo imagético e conceitual que o tema propõe.
Uma estratégia muito utilizada e aprofundada foi o jogo de velar e desvelar das partes do corpo realizado individualmente, em duplas e por último em trio. Neste jogo a principal regra seria esconder e revelar determinadas partes do corpo estipulando um ângulo fixo para visualização do mesmo.





Dentre os princípios utilizados por Hans Bellmer, na composição de suas bonecas, seja em esculturas ou gravuras, destaco aqui os “anagramas do corpo”

“Um anagrama (do grego ana = "voltar" ou "repetir" + graphein = "escrever") é uma espécie de jogo de palavras, resultando do rearranjo das letras de uma palavra ou frase para produzir outras palavras, utilizando todas as letras originais exatamente uma vez. Um exemplo conhecido é o nome da personagem Iracema, claro anagrama de América, no romance de José de Alencar.”
Acessado em 04/06/2013.

Os anagramas do corpo propostos por Bellmer determinam possibilidades de combinação entre as partes do corpo que diferem da representação do corpo humano como usualmente o conhecemos.
Assim, com o intuito de afastar a imagem da estrutura íntegra do corpo humano, foi sendo composto um “outro” corpo, a partir dos pedaços de três corpos se entrelaçando e imbricando suas partes, trazendo à tona, possibilidades de uma anatomia fantástica.

Nesta experiência, com o grupo, a escolha de um ponto de vista pré-determinado foi crucial para a visualização dessas metamorfoses de dois ou mais corpos em um. A visualização de outro plano acarretaria em um desvelamento dos artifícios que formam esse corpo ilusório.



“O corpo estranho se presta a todas as fantasias que suscitam a atração ou a repulsão. Ele pode ser idealizado como a expressão de uma beleza inacessível e/ou rejeitado como o símbolo que objetiva os sinais da repulsa. Provocando de uma maneira imaginária a possível vertigem da mais radical alteridade, ele cristaliza as frustrações e, simultaneamente, possibilita a aventura misteriosa dos sentidos”. (JEUDY, 2002, p.102)

Corpo Estranho - Grupo de pesquisa e composição coreográfica
Coordenação: Aline Teixeira
Intérpretes-criadores: Diego Carvalho, Mery Horta e Taísa Magno
Designer: Juliana Prado


Referências Bibliográficas
JEUDY, Henry-Pierre. O corpo como objeto de arte. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.

Para o texto "O Estranho" de Freud;



sexta-feira, 12 de abril de 2013

As Bonecas de Hans Bellmer



Entre os artistas europeus, que nas primeiras décadas do século XX voltaram-se para o projeto de decomposição da figura, destaca-se em particular o nome de Hans Bellmer. Nos anos de 1930, Hans Bellmer criou uma série de bonecas com partes articuladas que podiam ser desmembradas e reagrupadas de diversas maneiras. O corpo humano tal qual o conhecemos perdia sua estrutura íntegra, podendo ser estruturado, entre outras combinações, sem o tronco ou com mais de um par de pernas. Foi em 1934 que o trabalho do artista alemão apareceu pela primeira vez na França, com a publicação de uma série de fotos na revista surrealista Minotaure, cujo título era ‘Variações sobre a montagem de uma menina desarticulada’.


Hans Bellmer "Poupée": Variations sur le montage d'une mineure articulée", in Minotaure 6, 1934

Hans Bellmer construiu a sua primeira boneca na mesma época que Hitler chegou ao poder. A boneca construída à imagem de uma menina adolescente consistia em uma resposta crítica ao autoritarismo do Estado Nazista. A primeira boneca possuía um tronco rígido e membros intercambiáveis que foram combinados incessantemente e fotografados em diferentes ambientes. O reconhecimento de um corpo supostamente real no que diz respeito a sua estrutura corpórea e ao mesmo tempo artificial, na maneira como essa estrutura era organizada, dispostos em ambientes cotidianos realistas provocavam um jogo de ambivalências, eliminando as fronteiras distintas entre real e artificial, mulher e criança, vida e morte, prazer e dor entre outros.

Hans Bellmer, "La Poupée" 1936


As bonecas consistiam em esculturas tridimensionais, mas Bellmer escolheu a fotografia como meio principal de reprodução. A fotografia trazia a imagem da boneca exatamente de acordo com o ponto de vista do artista e possibilitava uma visão mais voyeurística por parte do espectador.
As imagens propostas por Bellmer traziam em seu contexto referências temporais, cenas que traziam a impressão de serem desfechos de acontecimentos prévios ou cenas de ‘um provável próximo capítulo’. As fotografias como superfícies estáticas traziam em si uma potencialidade dinâmica, transformadora. Como num sonho, o efeito desejado era o de revelar o inconsciente e desestabilizar as expectativas. “Não se tratava apenas de questionar a ‘realidade’, mas também de questionar a forma pela qual ela era normalmente representada”. (Briony, Fer, 1998, p. 172)


Hans Bellmer, "La Poupée" 1936

Hans Bellmer, "La Poupée" 1936





















“A boneca representava o oposto do corpo geometrizado, confinado numa forma definitiva, circunscrito a limites e medidas. Num processo permanente de permutação dos membros e órgãos, manipulando-os em complexas combinações, os devaneios anatômicos de Bellmer buscavam fazer coincidir a imagem real e a imagem virtual de um corpo, reunindo numa só figura o resultado da percepção imediata do olhar e as reinvenções da imaginação. Ao afirmar a primazia do corpo do desejo sobre o corpo natural, o artista colocava em cena imagens nas quais os diversos membros e órgãos tornavam-se intercambiáveis, conferindo autonomia aos pedaços, para que cada qual pudesse, segundo suas palavras, ‘viver triunfalmente sua própria vida’”. (MORAES, 2006, p.26)




Referências Bibliográficas

FER, Briony; BATCHELOR, David; WOOD, Paul. Realismo, Racionalismo, Surrealismo: A arte no entre - guerras. São Paulo: Cosac & Naify, 1998.

LICHTENSTEIN, Therese. Behind close doors: the art of Hans Bellmer. London, England: University of California press, 2001.

MORAES, Eliane Robert. Os devaneios anatômicos de Hans Bellmer. in: GREINER, Christine, Org.; AMORIM, Claudia, Org.; Leituras do sexo, São Paulo: Annablume, 2006.

MORAES, Eliane Robert. O corpo impossível: a decomposição da figura humana de Lautréamont à Bataille, São Paulo: Iluminuras/FAPESP. 2002

WEBB, Peter, SHORT, Robert. Death, desire and the doll: the life and art of Hans Bellmer. Solar Books, 2006.

Artigo de Sue Taylor - Instituto de Arte de Chicago:
http://www.artic.edu/reynolds/essays/taylor.php





quarta-feira, 10 de abril de 2013

Um processo aos pedaços - o início


Desde que me formei no curso de bacharelado em dança da UFRJ, venho pesquisando sobre o que seria a deformação da forma corporal e assuntos afins. A fragmentação da figura humana, que também considero inserida dentro dessa pesquisa sobre deformação, tem estimulado bastante os meus últimos trabalhos coreográficos. Este último, até o momento intitulado “Pedaços” é fruto de algumas reflexões realizadas por alguns artistas plásticos, escritores e pensadores do modernismo, em especial, Georges Bataille e Hans Bellmer. Nomes geralmente associados ao movimento surrealista, apesar de ambos serem dotados de especificidades únicas para serem confinadas em um movimento da arte moderna. A pesquisa, assim, transita por um imaginário fantástico e se apóia em questões como a fragmentação corporal, a deformação, a mutilação e a dissociação das partes do corpo.

Entrei em contato com o pensamento de Georges Bataille e com a obra de Hans Bellmer a partir do livro “O corpo Impossível” de Eliane Robert Moraes. No livro, Eliane faz um estudo aprofundado do processo de decomposição da figura humana pelos modernistas com atenção especial ao pensamento de Bataille. Apesar de intensa identificação com o tema, ainda não sabia qual seria o fio condutor da pesquisa e só o encontrei quando após uma série de leituras fui para a ‘prática’. Até então, não conseguia definir o que estava pesquisando, mas conseguia por o projeto em prática. A partir daí as coisas foram ficando mais claras e um possível tema foi sendo recortado.

É importante atentar para “o instante sensível e espontâneo em que uma possível obra é indiciada. Pode ser tudo, mas ainda não é nada, só uma possibilidade. (...) A percepção artística acontece nesse instante de transformação singular que aponta para uma possível futura obra” (Salles, 2001, p.97)

O processo foi de intensa experimentação. Eu experimentava, filmava, observava e refletia. Depois de alguns meses nessa atividade quis começar a fechar algumas idéias e seqüências. Eu sempre fui muito ligada à forma do movimento corporal e o natural para mim seria construir o trabalho a partir de seqüências de movimentos militarmente precisas ainda que deformadas. Mas não era possível. O fluxo de movimentos não se permitia confinar em formas exatas e a crise se instaurou.

Continuei experimentando até que algumas idéias foram ficando recorrentes e o trabalho foi se moldando a partir de um roteiro de dinâmicas corporais, onde algumas formas foram responsáveis pela costura do todo a fim de não torná-lo apenas um improviso. Ao invés de seqüências coreográficas, uma trajetória linear reta dividida por variações de dinâmica corporal, pontuada por formas geometricamente definidas/deformadas que buscam estados corpóreos provenientes de variações na intensidade da força aplicada ao movimento. Pedaços de corpo que se escondem e reaparecem transitando entre a falta e o excesso. Continua...

MORAES, Eliane Robert. O Corpo Impossível: A decomposição da figura humana de Lautréamont à Bataille, São Paulo: Iluminuras/FAPESP. 2002

SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado – Processo de criação artística. Segunda edição. São Paulo: Annablumme/FAPESP: 2004.


"Pedaços", 2010 Foto de Fabiana Amaral